quarta-feira, 19 de junho de 2013

Brasil : "Padrão FIFA" não se conquista num clique

Um dos motivos mais vistos em cartazes das diversas manifestações de rua falam em tudo "Padrão FIFA": educação, saúde, transporte, etc. Como a mobilização que serviu de estopim foi mais pela precariedade do transporte e não por 20 centavos, creio que a exigência de qualidade é um dos fatores que move boa parte da juventude participante.

Estamos diante de uma sofisticada revolução cultural, já que não são os fatores econômicos que induzem aos protestos. Nem a falta de investimentos em saúde e educação, já que boa parte dos participantes jamais entrou numa escola básica ou hospital público é a palavra de ordem, mas a qualidade do que existe.

No Brasil as influências estrangeiras mobilizaram várias manifestações culturais e políticas. A internet e o fluxo inédito de viagens da classe média ao exterior estão criando massa crítica que amplifica a sensação de pagarmos muito para ter pouco e de má qualidade. A sociedade brasileira paga para que alguns de seus filhos estudem uma temporada no exterior com tudo pago através do programa Ciência sem Fronteiras, fora os intercâmbios, que aumentam a sensação de fosso entre o Brasil e outras culturas.

Essa é uma das agonias de quem vê sociedades onde as coisas funcionam, as pessoas parecem viver melhor dentro de sociedades mais ricas, e chega ao Brasil e cai na realidade que parece imutável. Isso reforça o "sentimento de vira-latas" que vemos em muitas manifestações nas redes sociais. O Brasil não presta e os outros países são melhores, é o que pensam.

Uma das metas intangíveis do projeto da Copa do Mundo, que tem nas especificações da FIFA padrões elevados tanto na área esportiva como na mobilidade e hotelaria, é criar no país uma vanguarda de trabalhadores treinados de acordo com o que há de melhor no mundo. Elevar milhares de outros a patamares compatíveis com o turismo internacional. Melhorar a auto-estima. Isso não é quantificável.

No jogo Brasil x Japão muitos dos que estavam no estádio Mané Garrincha viram pela primeira vez assentos com lugares marcados em estádio. Pude observar que a todo momento alguém chegava com um ingresso e questionava alguém que já estava aboletado no seu lugar. Organização é evolução. Na fila da cerveja um cidadão questionou uma outra pessoa que furou a fila, e os demais se manifestaram até que a pessoa se mancasse e fosse para o final.

A imposição de novos padrões força uma nova cultura. Trabalhei como engenheiro de uma empresa que tem padrões nacionais para seus prédios, em locais onde a cultura das empreiteiras e dos diversos agentes da construção não compreendia a complexidade do que exigíamos nas obras. A princípio houve a estranheza, várias empreiteiras não se adaptaram mas outras conseguiram sobreviver e passaram a trabalhar num patamar melhor. Tiveram que preparar melhor seus operários para que aprendessem a ler projetos e especificações, passaram a planejar melhor a logística para cumprir os prazos, controlar melhor seus processos, contabilidade, almoxarifados, etc.

O que não existe é o "Padrão FIFA" ao alcance de um clique. Nenhuma revolução mudou tudo instantaneamente, mas parece que há pessoas que acham que isso é possível e se iludem com o "Padrão". Nos metrôs de Berlim não há sequer local para comprar os tickets, nem catracas, aparentemente nada. Aí vai o brasileiro esperto e tenta viajar sem pagar, é abordado pela fiscalização e paga uma multa.

Em várias cidades nossas há secretarias de ordenamento municipal, que multam pessoas que não seguem as regras de civilidade. Temos no Rio operações Lei Seca permanentes, que pegam muita gente, mas não se criou a consciência que impeça dirigir depois de beber. As pessoas precisam passar por uma revolução de posturas, como em outros países aconteceu. Inclusive muitos dos que estão nas ruas protestando. Alguns deles, infelizmente, defendendo que se acabe com programas sociais para dar-lhes os recursos precisam para ter um padrão de primeiro mundo.

O processo para um Brasil melhor é longo e pode ser facilitado se mudarmos as relações entre estado e cidadão, que acho que seria o melhor subproduto desse movimento de protestos. Melhorar a nossa democracia, detonando esse sistema político anacrônico e autoritário, empoderando os cidadãos ao mesmo tempo que deles também se cobrem as responsabilidades.




Nenhum comentário:

Postar um comentário