quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Brasil exporta "água virtual" em seus produtos


Da janela do avião, anteontem, voando do Rio para Brasília, vi um cenário em Minas e Goiás que pouco se diferenciava do que conheci no Nordeste em plena seca. O diferencial estava em alguns campos com agricultura irrigada, quase sempre de soja, que estavam verdejantes pelo uso da água dos ainda perenes rios que cortam o cerrado. Queimadas enormes destruíam áreas secas, em especial as de vegetação nativa.

O nível da barragem de Três Marias, como mostra uma foto, está baixo, para perenizar o rio São Francisco Veio a reflexão: quanto sacrificamos de água potável na produção de soja, um dos principais produtos da pauta de exportação? E na carne? No fim das contas, o que exportamos mesmo é água.
A água existente hoje é a mesma de 2000 anos atrás, mas a população da época era 3% da atual. Como continua crescendo, é previsível uma crise global de abastecimento desse recurso, daí haver vários fóruns no mundo discutindo os cuidados na preservação da água para não chegarmos ao extremo de guerras por água.
O Brasil tem 19% de toda a água doce do planeta, o que é bom, mas tem usado boa parte do recurso em produtos que, na prática, valem mais pela água que embutem no processo de fabricação que pelas matérias-primas ou trabalho incorporado. Essa água que não aparece no produto final é conhecida como "água virtual". Hoje os fóruns sobre uso e preservação de água buscam criar ferramentas de gestão para o recurso, e mudar hábitos de consumo para impedir a aceleração da escassez.
Aqui vai uma tabela com as quantidades de água necessárias para produzir algumas coisas que consumimos e em boa parte exportamos:

Tabela - Quantidade de Água Virtual de Alguns Produtos
Produto Unidade de Medida Volume Específico (litros de água/unidade de medida do produto)

ArrozKg2.500
AveiaKg2.374
AvesKg3.650
Azeite de OlivaKg11.350
AzeitonaKg2.500
BananaKg500
BeterrabaKg193
BatataKg132
Cana de açúcarKg318
Carne de boiKg17.100
Carne de porcoKg5.250
LaranjaKg380
LegumesKg1.000
LeiteLitro800
ManteigaKg18.000
MilhoKg1.025
Óleo de palmaKg2.000
Óleo de sojaKg5.405
OvosKg3.700
PãoKg150
QueijoKg5.280
Raízes e TubérculosKg1.000
SojaKg2.525
TomateKg105
TrigoKg1.575
UvaKg455


Fonte: Jornal Folha do MEIO AMBIENTE, junho de 2006.

Aí vem os questionamentos: com é que gastamos 17 mil litros de água para termos à mesa um mísero quilo de carne bovina? E 2.525 litros de água para um quilo de soja? Só para darmos a dimensão correta, na safra 2009/2010 o Brasil produziu 67 milhões de toneladas de soja. Façamos a conta:
67.000.000.000 de kg de soja x 2.525 l de água/kg = 169.175.000.000.000 litros de água para produzir a safra, ou 169.175.000.000 metros cúbicos de água, ou ainda 169,175 x 109 m³.

O reservatório da Hidrelétrica de Itaipu, a maior do Brasil e até pouco tempo atrás a maior do mundo, armazena, no seu nível máximo normal, 29 x 109 m³ de água. Comparando as duas quantidades, o Brasil gasta quase 6 Itaipu de água para produzir soja. Considerando-se que a expectativa de exportação de soja em grãos (sem considerar o óleo e o farelo, também em imensas quantidades), é de cerca de 32 milhões de toneladas, exportaremos mais de 3 Itaipus somente nesse item. Fora a carne bovina...

Como a soja tem preços cada vez mais atrativos para os produtores, a gente entende o porquê da truculência dos produtores em forçar a aprovação de um novo Código Florestal que permita o desmatamento cada vez maior de áreas de matas nativas para ampliar as áreas de plantio. E o poderoso lobby dos ruralistas contra a transposição de águas do Rio São Francisco para acabar com a sede de mais de 13 milhões de pessoas, para que sobre para as suas lavouras. E porque o nível de algumas barragens de vez em quando chega a níveis críticos em épocas de seca, comprometendo até a geração de energia, porque a água é cada vez mais captada para irrigação e não chega aos reservatórios com a mesma vazão de anos anteriores.


Um comentário:

  1. Muito interessante esse post, afinal as questões "técnicas" estão ocultas na aparência dos resultados que, por serem resultados, são obviamente o final de um processo. Você foi bastante didático. Numa postagem que dê link, linkarei esse teu texto lá em meu blog "O Araibu": http://oaraibu.blogspot.com/.

    Abraços!

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