sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Copa / Olimpíada : a farra das licitações flexibilizadas

O político brasileiro é mestre em criar demandas "emergenciais" para fazer uso de instrumentos legais excepcionais e contratar obras e serviços fora dos processos normais, praticamente sem fiscalização. Isso é uma indústria antiga. Em algumas áreas praticamente nada se faz para combater a seca, e quando ela ocorre, os cofres públicos se abrem para os contratos emergenciais. Em outras, prefeitos não fazem obras de prevenção contra enchentes, mas decretam imediatamente o estado de calamidade pública assim que começam as chuvas para entrar no regime de excepcionalidade da lei e contratar à vontade.


A Copa e a Olimpíada não fogem a isso. Logo que o Brasil garantiu que faria os Jogos Olímpicos de 2016, as autoridades já diziam que não iria haver tempo para fazer as obras, por causa na burocracia nos processos licitatórios, etc. Para a Copa 2014, Jogos Militares 2011, mesma coisa.

A obra da reforma do Maracanã para a Copa de 2014, por exemplo, foi licitada praticamente sem projeto, dificultando a fiscalização pelos órgãos competentes e facilitando a vida dos empreiteiros, que depois colocam adicionais com preços que não são os melhores do mercado. Recentemente o TCU deu uma dura no governo do estado para botar projetos que permitam dar precisão ao orçamento, e o côro pela bandalha eleva seu tom com coisas do tipo "é muita burocracia, vão inviabilizar a Copa, a obra vai parar se continuarem com muitas exigências", etc.

Vai à votação no Congresso até 7/4 a Medida Provisória 510, onde o governo tentará incluir artigos para flexibilizar a Lei de Licitações (8666 de 21/06/1993), com o argumento da urgência para atender ao alto nível exigido pelo Comitê Olímpico Internacional para a realização dos jogos. O assunto seria discutido com a MP 503/10, aprovada ontem, que cria uma nova autoridade olímpica para facilitar as decisões no planejamento e execução da infra-estrutura para os jogos, mas foi jogado para a discussão da MP 510 para evitar a obstrução pela oposição. É a declaração de falência na gestão de grandes projetos!

Antes do Brasil se candidatar a sediar os jogos, o COI apresentou o seu caderno de encargos com as especificações e exigências básicas para atender ao seu padrão, e as autoridades brasileiras e cariocas tiveram acesso a isso para estimarem orçamentos e fazerem estudos de viabilidade e montarem os projetos econômicos e financeiros para realização do evento.

O que mudou de lá para cá foi a crise financeira mundial, que afastou patrocinadores privados, obrigando os governos a tirar dinheiro do nosso bolso para dar lucro à FIFA e construir coisas de difícil utilização após os eventos. Exemplo: o novo estádio de Brasília, de R$ 1 bi, que depois da Copa ficará ocioso porque os campeonatos locais não enchem nem o estádio do Gama, bem menor.

Todo mundo sabia qual era o patamar de qualidade exigido, os prazos, os preços, toda a demanda. Agora querem fazer parecer que há novas exigências, o que é falso: tudo já estava descrito antes do contrato com o COI para a Olimpíada de 2016. Então, para que mudar a Lei 8666 para tornar os projetos mais imprecisos e escancarar a porta para serviços extra-contratuais acima de 50%, máximo permitido hoje?

Na lei 8666, em vigor, há uma clara definição de emergência, caso onde a legislação se flexibiliza para permitir a dispensa ou inexigibilidade de licitação, no seu art. 24:

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

A urgência alegada pelas autoridades está associada à falta de planejamento, e não à iminência de risco à segurança de pessoas, bens, etc. E mesmo assim, a lei fala em prazo máximo de 180 dias contados da ocorrência da emergência, sem prorrogação. Além disso, para caracterizar a emergência, é necessária a urgência e mais riscos, etc. A urgência, por si só, não permite o uso excepcional da lei, principalmente quando as situações eram previsíveis e os cronogramas viáveis quando da concepção dos contratos.

Mudar a lei para dar status emergencial a problemas criados pela falta de planejamento e a desídia de gestores será a premiação da incompetência e o escancaramento das portas para a corrupção em níveis inéditos, dada a envergadura das obras. A bem dos princípios constitucionais da moralidade e da transparência, esse projeto deveria ser barrado no congresso. Se o cronograma está atrasado, que se coloquem gestores competentes para aumentar a eficiência na gestão dos contratos, ao invés de liberar a bandalheira.

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