quarta-feira, 7 de abril de 2010

DF : As águas pedem passagem


Ontem passei em frente ao condomínio da 911 Norte onde aconteceu o alagamento quase instantâneo de um subsolo, destruindo veículos e prejudicando poços de elevadores e garagens, assunto fartamente divulgado pelas mídias local e nacional. Conheço pessoas que moram ali, e, não satisfeito com a cobertura da mídia, que foca nos prejuízos com os veículos dos moradores, resolvi fazer um levantamento de dados mais técnicos, apesar das limitações de acesso aos locais mais essenciais à formulação de conclusões. Também não entrei no prédio.


O condomínio ocupa uma encosta pouco íngreme, e seus blocos estão assentados em plataformas de altitudes crescentes da rua para dentro. Segundo o Google Earth, o terreno natural limitante ao fundo fica na cota 1083, e a via W5 norte, em frente ao condomínio, está na cota 1076, com desnível de 7 metros dos fundos para a rua. Nos fundos do terreno e na lateral direita há uma grande área coberta por vegetação nativa, formando considerável bacia de captação que escoa para a W5, onde próximo ao condomínio há grande quantidade de bocas-de-lobos da rede de águas pluviais de Brasília. Antes da obra parte dessa água fluía pelo terreno do condominio.

Ainda segundo as medições do Google Earth, a informação que circula na imprensa da influência das obras do bairro Noroeste sobre o aumento da vazão de chuvas na região parece ser falsa. Praticamente toda a área do Noroeste está abaixo da cota 1076, e a linha de cumeada que separa as bacias hidrográficas está no Parque Burle Marx, entre ambas as áreas.

O condomínio foi praticamente todo implantado em cotas abaixo do nível do terreno vizinho à direita (esquerda de quem olha da rua), obrigando a construção, nessa confrontação e nos fundos, de um muro de arrimo para conter a encosta argilosa criada com os cortes, cuja altura varia até uns 3 metros acima do piso interno, que é área de circulação de veículos. Pude chegar pela lateral externa até 2/3 do comprimento do muro, onde estavam alguns trechos onde houve colapsos, girando sobre um eixo na sua base, pressupondo a existência de sobrecarga. Em alguns lugares notei a presença de pedra britada junto ao muro, o que pode ser resquício de um sistema de drenagem colocado entre a contenção e o maciço do terreno vizinho.

O bloco da frente, onde aconteceu o alagamento, tem o seu subsolo abaixo do nível da entrada, e sua drenagem deve ter sido dimensionada para o recolhimento de águas de chuvas normais, incidentes sobre uma pequena bacia de captação de áreas expostas do prédio naquela área. Com o arrombamento de vários trechos do muro lateral a montante, o volume de água excepcional que deveria estar represada causou o rápido alagamento dessa bacia representada pela área do rebaixo, que causou danos aos equipamentos do prédio e aos veículos.

Boa parte da área do terreno vizinho que confronta o muro lateral foi alterada por escavações recentes, de até 2m de profundidade, feitas no sentido de retirar carga do maciço sobre o arrimo e impedir novos colapsos. A terra retirada também serviu para a construção de uma barragem que canalizou as águas formando um riacho, que nas fotos aparentam boa vazão apesar da chuva não ser forte no momento que as tirei.

Faz parte da responsabilidade de engenharia a completa verificação das variáveis naturais do entorno do local da obra, para que a intervenção não crie problemas às novas construções nem a terceiros. A obra tem que ser feita sem criar problemas aos vizinhos. As águas de chuvas incidentes sobre o terreno em obra têm que ser escoadas para sistemas públicos de coleta.

Quanto às águas que circulavam pelo terreno a partir de terras vizinhas mais altas, antes das construções, o Código de Águas (dec. 24.643 de 10/07/34) diz com clareza no seu art 69 : "Os prédios inferiores são obrigados a receber as águas que correm naturalmente pelos prédios superiores". Caso os muros do condomínio constituam barreiras ao curso natural das águas dos terrenos superiores, deverão ser feitas obras complementares para escoar tais águas sem prejudicar os vizinhos das áreas mais altas. Os muros não podem servir de barragens, alagando terras vizinhas, e os projetistas devem atentar para isso, prevendo sistemas de coleta e canalização dessas águas pluviais para atender a tais demandas, estudada a hidrologia da área para a previsão de vazões críticas necessárias ao seguro dimensionamento das seções molhadas de tubos ou canais.

Barrar o curso de águas sem os cuidados técnicos adequados ou criar facilidades ao seu escoamento em maiores vazões e velocidades são situações que certamente criarão problemas. O desmatamento, a construção desordenada e a inadequada disposição das águas pluviais são ações humanas que criam grandes riscos, especialmente quando se constrói em encostas. A natureza cobra caro pelas alterações da sua sustentabilidade.


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