domingo, 10 de janeiro de 2010

PNDH-3 - Muita histeria, pouca informação

Pretendo colocar neste post alguns elementos para quem quiser realmente fazer um debate sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3, escopo do Decreto n° 7.037 de 21/12/2009. Inicia o Decreto a citação à Constituição Federal, que confere ao Presidente da República, com base no art. 84 inciso VI, alínea "a", a competência privativa para dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar em aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.


O referido plano, portanto, é uma política de governo, revogável a qualquer momento por um outro decreto de mesma natureza, e não tem a força de uma lei ordinária ou da Constituição. Tanto que esse decreto, no seu art. 7°, torna sem efeito o Decreto n° 4.229, de 13/05/02, do governo FHC, que criou um PNDH que valeu até sua substituição. Esse, por sua vez, tornou sem efeito o Decreto 1.904 de 13/05/96, que foi o primeiro também no governo FHC, sobre a mesma matéria. Na prática, cada PNDH veio a substituir o anterior, detalhando mais os eixos orientadores e as diretrizes para as diversas áreas de governo. O máximo que esses planos podem fazer, em respeito à autonomia dos poderes, é remeter projetos de lei ao Legislativo, caso se queira mudar ou acrescentar algo à legislação.

O Plano mais recente contempla ações orientadoras para todas as esferas do Poder Executivo, tratando de assuntos de interesse da igualdade de gênero, raça, da diversidade, do respeito às culturas e etnias, da segurança pública, justiça, idosos, educação, igualdade de oportunidades, minorias, tráfico de pessoas, trabalho escravo, tortura policial, enfim, é um conjunto de políticas que reforçam tudo que está previsto na Constituição para a cidadania. Em nenhum momento o Plano passa sobre as leis, mas propõe que se constituam comissões para elaborar projetos a enviar ao Congresso Nacional. O Decreto, portanto, não acaba com a Lei da Anistia nem cria qualquer tipo de controle aos meios de comunicação, como uma parte da imprensa afirma com certa histeria.

O que deixa os meios de comunicação da direita nervosos e aos alarmistas mal informados em polvorosa está no Eixo Orientador VI - Direito à Memória e à Verdade. O governo elaborará projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso propondo a criação da Comissão Nacional da Verdade, que terá a tarefa principal de examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período fixado pelo art 8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988. Essa comissão teria acesso aos documentos históricos do período, e buscaria informações sobre mortos, desaparecidos e torturados, buscando resgatar a a verdade. Outras medidas no mesmo sentido são o levantamento dos atos de exceção ainda remanescentes na legislação brasileira, para discussão no Congresso buscando sua revogação.

O ataque furioso mais recente ao Plano diz que o governo vai controlar os meios de comunicação. A Diretriz 23 do Eixo Orientador V objetiva promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento do seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos. E coloca em uma das suas ações a criação de um marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição Federal, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para a sua outorga e renovação, prevendo penalidades que vão desde a advertência à cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas. Mais uma vez a bola é passada ao Congresso Nacional, que tem o poder para regulamentar o art. 221 da CF, que diz:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Trocando em míúdos: alguns estão confundindo, por ignorância ou má-fé, o art. 221, que trata da baixaria, dos programas que ofendem a dignidade humana, com o art. 220 da Constituição, que trata da liberdade de imprensa, da censura, da criação, e que ainda tem o curioso parágrafo 5° , que diz algo bastante esquecido pela grande mídia e por todos nós, que deveríamos cobrar a bem da democracia:

§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

Uma outra falácia é a da possibilidade da PNDH-3 tornar letra morta a Lei da Anistia, de 1979. O governo Lula, a ONU, a OEA e diversas entidades internacionais de Direitos Humanos consideram que a tortura é um crime comum, e portanto não anistiável nem prescritível, mas a palavra final sobre o assunto está nas mãos do Supremo Tribunal Federal desde 2008, a partir da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 153, solicitada pela Ordem dos Advogados do Brasil.

A OAB
busca por meio da ação que o Supremo responda se a Lei da Anistia, editada no final do regime militar, abrange apenas os crimes políticos ou abrange também os crimes de tortura, praticados por agentes do Estado na repressão. O processo está parado desde 2008, e essa definição poderá criar ou não as condições para o processo aos torturadores. Não depende, portanto, da vontade do Governo Lula. A Associação dos Juízes para a Democracia tem no seu site um abaixo-assinado destinado ao STJ pedindo que não se anistie os torturadores.


Uma leitura de cima a baixo no decreto mostra uma excepcional qualidade da política de Direitos Humanos proposta, visando beneficiar a cidadania. Evidentemente que há os que devem, e temem, e infelizmente têm capacidade de fazer grande alarde propagando suas visões distorcidas dos fatos. Nenhuma lei será alterada pelo Decreto, cabendo esse papel ao Congresso Nacional. Assim sendo, cabe aos que têm algo a perder com as políticas fazer a democrática disputa junto aos seus representantes no Legislativo, mas parece que democracia não é bem a praia deles.

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