terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Carnaval do Rio : planejamento empírico

Vale a pena visitar a Cidade do Samba, na zona portuária do Rio, algumas semanas antes do carnaval. A dica é levar uma conta qualquer que comprove moradia na cidade, para pagar meia no ingresso que, mesmo assim, é barato, para o conteúdo que se pode ver: a montagem dos carros alegóricos de todas as escolas que desfilam na Marquês de Sapucaí.

Tive a oportunidade de circular as oficinas com um dos responsáveis pela montagem das alegorias de uma grande escola, que me passou informações técnicas valiosas sobre o planejamento dos trabalhos. Terminado um carnaval, os carros usados são desmontados, sendo parte dos materiais reaproveitada e outra doada a escolas do segundo grupo, ou jogados fora. Aproveita-se a estrutura metálica, geradores, quadros elétricos, motores e chassis.

A montagem começa no segundo semestre, depois de escolhido o enredo e do carnavalesco esboçar as peças. No ano passado, antes da crise, as escolas montavam os enredos a partir dos patrocínios. Uma escola fez o carnaval sobre mineração, por exemplo, e pegou uma grana da Vale do Rio Doce. Para um carnaval rico, o valor investido é da ordem de R$ 7 milhões, em valores atuais. Em 2009, com a crise, apenas a Grande Rio pegou um patrocínio de empresas francesas, interessadas em promover o Ano da França no Brasil, que liberaram R$ 8 milhões. As demais tiveram que se virara com recursos da venda de fantasias, de doações de simpatizantes, de apoios de órgãos de turismo, etc.

Definido o dinheiro e o tema, o carnavalesco e sua equipe fazem os desenhos que orientam a execução dos carros. Não têm qualidade de projeto, são esboços, a partir dos quais os profissionais montam as estruturas metálicas de apoio, os carpinteiros fazem as carcaças, as partes móveis são articuladas por sistemas hidráulicos e a instalação elétrica das animações é colocada. Em algumas escolas há assessoria de engenheiros. Paralelamente, a equipe dos acabamentos trabalha uma grande variedade de materiais para fazer os acabamentos finais, um trabalho artesanal intensivo.

Isso tudo num espaço limitado, visível a qualquer um, a partir de sacadas no alto das oficinas, inclusive dos concorrentes, daí serem comuns nesses pontos de observação encontrarmos vasos com arruda, comigo-ninguém-pode, costelas-de-Adão, pimenteiras e outras plantas ditas de proteção, na cultura religiosa africana.

Tudo segue um ritmo baseado na tradição. Não tem PERT, CPM, gerenciamento de projeto, nada! E, tirando a derrapada da Mangueira neste ano, que teve que replanejar várias vezes porque os recursos secaram, e acabou com os carros mal acabados, tudo acontece a tempo. Nos boxes, também há áreas para a confecção de fantasias, verdadeiras fábricas. O fato é que, quando a coisa desanda, a comunidade entra em ação com mão-de-obra adicional e acelera a execução, suprindo deficiências do planejamento empírico. Quando a gente vê um desfile, não tem idéia do estresse que rola nos bastidores.

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